Por que “manchetossauros” são detestados (mas, não deveriam)?
“Manchetossauro” é um termo que se tornou bem conhecido entre os fãs de tokusatsu, pois é usado como referência àqueles que conheceram o gênero a partir das séries da Rede Manchete e continuam preferindo-as até os dias de hoje.
Como atualmente a tokunet é composta por fãs mais novos também, muitos se fazem as seguintes perguntas:
- Qual foi a importância da Rede Manchete para o tokusatsu?
- Como os fãs passaram a ver tokusatsu após o fim da Rede Manchete?
- De onde veio o termo “manchetossauro”?
- Por que muitos fãs não gostam de “manchetossauros”?
Continue a leitura deste artigo, pois responderemos todas essas perguntas, além de dizer por que os chamados “manchetossauros” não devem ser detestados, muito pelo contrário.
Qual foi a importância da Rede Manchete para o tokusatsu?
Os anos 80 trouxeram muitos elementos memoráveis para a história do mundo: sintetizadores, jaquetas de couro, saias rodadas, gel de cabelo, mullet e a melhor fase do rock nacional. Mas, em termos de tokusatsu, o Brasil carecia de novidades.
Quando você ligava a TV no início ou em meados dessa década (único meio de comunicação, informação e entretenimento da época), os heróis japoneses que animavam os programas infantis eram os mesmos dos anos 70 como Ultraman e Spectreman que já tinham quase 20 anos desde a estreia no Japão. Até que um dia algo surpreendente aconteceu.
Um canal fundado há pouco tempo, a Rede Manchete, passou a exibir duas séries japonesas, Jaspion e Changeman, que traziam elementos novos em relação aos seus antecessores: mais acrobacias, explosões, músicas emocionantes, além de gêneros inéditos aqui até então (Metal Hero e Super Sentai).
O sucesso fez com que sua distribuidora, Everest Vídeo, trouxesse mais séries afins para a programação infantil dentro dos saudosos programas Cometa Alegria e Clube da Criança (apresentado pela Rede Manchete e que você pode conferir um programa na íntegra clicando aqui).
Como os fãs passaram a ver tokusatsu após o fim da Rede Manchete?
Os tokusatsus exibidos na Rede Manchete e outras emissoras que disputavam audiência com ela dominaram os anos 90 fizeram a alegria da garotada. Mas, a partir de meados dessa década, em que os animes ganhavam força e os Power Rangers conquistavam mais visibilidade, os “live-actions japoneses” passavam a perder o interesse das emissoras e do público em massa.
Isso fez os tokufãs ficarem carentes de novas produções que precisavam se contentar com reprises (Machine Man e Sharivan na Record, Jiraiya e Maskman na Manchete que transitava para Rede TV), além de novidades como Ultraman Tiga na Record que eram bem raras.
A união dos povos da Via Láctea…e dos fãs de tokusatsu
No começo dos anos 00, a internet passou a fazer parte das nossas vidas, o que fez surgir entre os otakus um nicho, até então, bem pequeno: dos fãs de tokusatsu!
Nessa época já aconteciam eventos de anime em que pessoas que gostam de cultura nipônica podiam se encontrar. Mas, o tokusatsu era visto como uma ovelha negra, sobretudo por conta de uma revista (não mencionaremos aqui o nome) cujos editores faziam a caveira dos heróis que combatiam o mal na pedreira da Toei. Isso influenciava os fãs que eram muito novos e que passavam a detestar tokusatsu por conta desses influenciadores do mundo impresso.
Mas, como fatores externos não conseguem interferir no que internamente faz bem aos nossos corações, os tokufãs começaram a surgir numa época que sequer existia redes sociais.
O mIRC era o canal mais usado para o encontro virtual dos fãs, sobretudo no canal #tokusen administrado pela AKA Benikiba que tinha um site tão bom quanto o Tokusatsu Tyosenshuu do AKA Spielvan que foi um dos primeiros sites do gênero na época em que quase todos eram feitos pelo extinto Geocities.
A partir dessa união, os fãs passaram a se conhecer e, finalmente, após tanto tempo, ver tokusatsus inéditos.
Os últimos suspiros do VHS…e os primeiros dos tokufãs depois da Rede Manchete
O começo da década 00 foi marcada pela chegada do DVD, mídia que dominou o mercado antes do Blu-Ray chegar (informação importante caso alguém muito novo esteja lendo este post), mas o VHS ainda era bastante usado, sobretudo por colecionadores que trocavam fitas de séries e filmes.
Assim, os fãs passaram a trocar episódios aleatórios de determinados seriados de modo que muitos conseguissem vê-los pela primeira vez.
Sim, pois naqueles tempos ter séries inéditas era algo raríssimo, pois requeria que a pessoa estivesse diante da TV com o videocassete ligado todos os dias no horário de transmissão com tudo pronto para gravar. Se ocorresse algum imprevisto (como falta de luz, por exemplo), talvez você nunca mais pudesse ver aquele episódio caso não fosse reprisado.
Por essa razão, os fãs tinham apenas poucos episódios de séries inéditas, em japonês, sem legendas, e com qualidade de nível razoável para ruim (eu mesmo tive uma fita do Ultraseven que era uma cópia da cópia da cópia em que não consegui enxergar o Ultraseven em momento algum).
Dessa forma, os fãs passaram a comprar, vender e trocar fitas VHS para ter acesso a um número cada vez maior de tokusatsu de forma analógica, pois no digital contávamos apenas com sites que disponibilizavam episódios aleatórios em formato Real Player e baixa qualidade (até porque baixar episódios com qualidade 360 levava o dia inteiro com a força máxima da internet discada).
Os fãs chegam à era dos DVDs feitos por outros fãs
Apesar de os fãs conseguirem ter acesso a apenas alguns episódios das séries de tokusatsu, as que foram exibidas no Brasil estavam completas (com exceção dos episódios que nunca passaram na TV ou outros que não chegaram a ser gravados na época por fãs pela falta de recursos e interesse como Metalder e Patrine respectivamente) e isso fez surgir algo que todos esperavam.
Um fã adquiriu um equipamento apropriado para digitalizar áudio das VHS caseiras de tokusatsu e os LDs e DVDs japoneses das séries que já traziam qualidade digital de imagem.
Ao unir o áudio em português otimizado com a imagem da mídia nipônica, passamos a ter todas as séries exibidas no Brasil em DVD para que os fãs pudessem vê-las e colecioná-las para ter um material de qualidade para sempre.
Alguns episódios de Jiraiya, por exemplo, durante a reprise que ocorreu em 1998 e 1999, tinham a imagem amarelada porque as masters estavam muito velhas. Mas, agora, todos podiam ver a série inteira com a imagem perfeita.
Torrent chegou e deixou a mídia física para trás
Apesar de as séries exibidas no Brasil estarem disponíveis em DVD, muitos fãs conheceram essas versões quando seus episódios foram compartilhados por fãs pela internet afora. Tanto é que alguns fãs não deram muita bola para os DVDs lançados oficialmente pela distribuidora Da Licença por já terem os episódios em seus computadores (além da repulsa pelo boneco do Jaspion que vinha anexado ao DVD do herói).
Dessa forma, o torrent passou a ser parte da vida do tokufã padrão que conseguia baixar as séries exibidas no Brasil rapidamente visto que a velocidade da internet melhorou bastante em menos de 10 anos.
Quanto às séries inéditas por aqui, o torrent também era muito útil. Fansubers gringos já estavam há tempos disponibilizando todas as séries dos principais gêneros com legendas em inglês que serviam de base para fansubers brasileiros as legendarem em português.
Por isso, nos dias de hoje, é possível ver qualquer tokusatsu (com exceção dos que já são licenciados no país) em sites como o Tokuflix que conta com um acervo completo de seriados dublados ou legendados. Basta escolher a produção, clicar em `play ‘ e assistir.
Por isso, hoje em dia, apenas alguns fãs que se encaixam no perfil de colecionadores gostam de ter as séries em mídia física como DVDs e Blu-rays enquanto outros preferem ver pelo streaming. E por falar nisso…
A vinda do streaming na vida atual dos tokufãs
Nossas vidas mudaram muito dos anos 90 para cá. Naquela época dependíamos unicamente da televisão para ver nossas séries favoritas em casa, enquanto hoje podemos vê-las em qualquer lugar que estivermos na tela de nossos celulares.
Diante de um cenário assim, o streaming veio para ficar e muitas pessoas têm preferido ver suas produções online do que baixá-las no computador para ver depois. Claro que esse novo mundo (que não é mais tão novo assim) não poderia estar de fora da tokunet.
Dois dos principais canais de streaming mundiais – Netflix e Amazon Prime – contam e já contaram com títulos do tipo em seus catálogos. Enquanto Amazon Prime tem todas as séries distribuídas pela Sato Company, Netflix já exibiu diversos filmes da Família Ultra, além de todas as temporadas dos Power Rangers no passado.
Apesar de tantas novidades que tornaram a vida do tokufã muito melhor do que em tempos de outrora (afinal, nos anos 90, ninguém sequer sonhava com o dia em que seria possível ver todos os Kamen Riders e Super Sentais com a facilidade de um clique, por exemplo), ainda há fãs que consideram a forma como o tokusatsu era consumido no passado muito melhor. São os chamados “manchetossauros”.
De onde veio o termo “manchetossauro”?
Como dissemos alguns parágrafos acima, a Geração Manchete é a mais predominante no fandom, vide o próprio TOKU BLOG e também outros canais como Resistência Tokusatsu e Tokudoc. Ao entrar em qualquer fórum ou grupo de tokusatsu, é possível ver que a maioria dos membros estão na faixa dos 30-40 anos e que conheceram as séries japonesas graças a chamadas como esta.
Como também já apontamos neste post, o tokusatsu conquistou majoritariamente, pelo menos, três grandes gerações: Ultraman, Jaspion e Power Rangers.
Nos tempos da revista Herói – a principal fonte de informação de cultura pop dos anos 90 – os redatores de tokusatsu falavam bastante sobre Ultraman por ser a série que eles viam quando crianças. A Geração Ultraman era dominante no (ainda muito tímido) fandom.
Como hoje a Geração Manchete é a dominante, nunca se falou tanto sobre Jaspion e Changeman. Para se ter uma ideia, o TOKU BLOG, apesar de ter o artigo mais completo sobre Jaspion da web, tem dificuldade em aparecer na primeira página de resultados do Google porque conteúdos de “concorrentes” fortes como Omelete, UOL e até mesmo Red Bull aparecem antes.
“Jaspion é antigo e você está ficando velho”
Esse é o título deste artigo que publicamos aqui no blog e que traz 8 exemplos de como o fantástico herói já pode ser considerado bem antigo. Um deles é assustador: Jaspion é tão antigo para as crianças de hoje quanto National Kid era para a garotada dos anos 90.
Mesmo assim, Jaspion continua sendo o herói favorito da maioria dos fãs que cresceram vendo-o. Prova disso é que o mangá do personagem lançado em 2020 entrou na lista de um dos livros mais vendidos da Amazon nesse ano.
Porém, isso faz com que alguns desses fãs pensem que o tokusatsu no Brasil voltará a fazer sucesso se for aplicada a mesma estratégia de 30 anos atrás: exibindo-os na TV aberta, quiçá num prodigioso (porém, utópico) retorno da Rede Manchete aos meios de comunicação brasileiros.
Porém, os tempos mudaram e pesquisas apontam que os brasileiros assistem cada vez menos TV, o que dá a impressão de que os chamados “manchetossauros” ficaram presos no tempo do qual sentem saudades.
Por que muitos fãs não gostam dos “manchetossuros”?
Sabe quando crianças estão jogando algum game como LOL ou até mesmo Among Us e chega um senhor de mais idade (provavelmente avô de uma delas) e diz: “isso tudo é uma porcaria, no meu tempo tudo era melhor”? Bom, é dessa forma que os chamados “manchetossauros” são vistos por muitas pessoas do fandom nos dias de hoje.
É muito comum ouvi-los dizer que as séries da época da Rede Manchete são as melhores. Por mais que séries que continuam sendo muito boas apesar do tempo ter passado como Kamen Rider Black, outras ficaram muito datadas como Goggle V. Mesmo sendo um bom Super Sentai (apesar da dublagem brasileira ter tido muitos defeitos), dizer que ele é melhor do que Gokaiger que teve uma produção melhor com base única na nostalgia é, no mínimo, um exagero.
Até porque é preciso ver a série ou filme antes de apontar se, como diria Sílvio Santos, “é bom ou não é”. Kamen Rider Den-O é um ótimo exemplo, pois ganhou o desdém de muitos fãs na época de seu lançamento, justamente por destoar tanto dos Kamen Riders Showa. Porém, seu estilo próprio agradou o público, tornando-o um dos personagens mais populares de toda a franquia.
Outro reclame recorrente dos considerados “manchetossauros” é o de que as séries atuais são chatas e demasiadamente infantis. Apesar de o conceito de chato variar de fã para fã, infantis os principais gêneros são, pois, como já comentamos neste artigo, o público-alvo principal são as crianças japonesas.
Além disso, se pararmos para analisar, as séries dos anos 80 e 90 exibidas pela Rede Manchete e outros canais também seguiam a mesma linha. Por mais que alguns episódios fossem dramaticamente fortes (mesmo para a época), a estrutura simples das histórias com o intuito de agradar as crianças é o que chamava a atenção e faz com que muitos marmanjos gostem desse tipo de produção até hoje.
Um exemplo mais comum presente na sociedade é a quantidade de pessoas que, mesmo adultas, continuam gostando e vendo filmes da Disney. Se isso é normal, igualmente é curtir tokusatsu independente da idade.
Por que os “manchetossauros” não devem ser detestados?
Considerando os pontos acima, se tornou frequente vermos em grupos de tokusatsu algum fã referenciar os tempos da Rede Manchete como melhores e alguém comentar “xiii, lá vem o manchetossauro”.
Porém, antes de criticá-los, é preciso refletir sobre a seguinte pergunta: por que esses fãs gostam tanto assim da época da Manchete, mesmo sendo os tempos atuais muito melhores?
Bom, de acordo com este artigo da Rock Content, 70% das pessoas confirmam que se lembram do que esteve presente em momentos especiais da vida. Logo, muitos tendem a lembrar com carinho do que marcou e trouxe felicidade durante a infância.
Geralmente, o primeiro contato com tokusatsu ocorre justamente na infância por se tratar, em sua maioria, de produções voltadas às crianças. Isso faz com que a nostalgia por esses heróis que marcaram tanto as vidas de muitos seja muito forte a ponto de fazer com que tokufãs se emocionem mais ao falarem sobre o Jaspion em vez de Tomica Hero.
E não há problema quanto a isso, pois o tokufã não precisa gostar de todo tokusatsu feito na história da humanidade. É permitido até mesmo gostar de Fushigi Comedy em vez de Super Sentai, isso não torna a pessoa menos digna de ser chamada de fã.
Por isso, recomendamos que, ao se encontrar com alguém nostálgico que defenda unicamente as séries da Rede Manchete, primeiramente, não o chame de manchetossauro. É de conhecimento de muitos no fandom que esse é um termo pejorativo de modo que usá-lo para rotular as pessoas não faz bem a ninguém.
Em vez disso, o mais indicado é recomendar outras séries que esse fã mais nostálgico possa gostar, por exemplo:
– Você gosta mais do Jaspion? Te recomendo conferir Kyuuranger cujas aventuras também começam no espaço.
– Tem achado as séries atuais infantis demais? Que tal, então, ver GARO ou Kamen Rider Amazons que são destinadas ao público adulto?
– Acha Kamen Rider Black o melhor (mesmo sem ter visto outra série da franquia)? Sabia que ele aparece no filme Super Hero Taisen GP? Dê uma olhada. Quem sabe você não passa a curtir também a nova geração de Riders?
Assim, por mais que os “manchetossauros” sejam detestados no fandom, não deveriam, pois são tokufãs como todos nós. Assim, finalizamos este artigo. Se você gostou e acha que este conteúdo pode ser útil e informativo a muitos outros fãs do universo dos heróis japoneses, compartilhe-o nas suas redes sociais. Até a próxima!