
Rodan foi mais longe que Godzilla? A verdade sobre o kaiju voador
Lançado em 1956, Rodan foi o primeiro longa da Toho com monstros gigantes em cores. Dirigido por Ishirō Honda e com efeitos especiais de Eiji Tsuburaya, o filme colocou no centro do palco um kaiju alado que, diferente de Godzilla, não era metáfora direta da bomba atômica, mas uma ameaça biológica pré-histórica.
Com roteiro de Takeo Murata e Ken Kuronuma, a trama começa como um suspense em uma mina, mas logo se transforma em um desastre aéreo protagonizado por uma criatura capaz de voar em velocidades supersônicas.
Rodan e o nascimento do terror alado
Na fictícia mina próxima ao monte Aso, trabalhadores começam a morrer de forma brutal. Os ataques são inicialmente atribuídos a um mineiro desaparecido, mas logo se revela que os verdadeiros culpados são as larvas gigantes conhecidas como Meganuros. Quando essas criaturas são combatidas, um novo horror surge: um gigantesco monstro alado, identificado como Rodan.
Ao contrário de Godzilla, cujo simbolismo gira em torno da ameaça nuclear, Rodan representa uma força natural incontrolável, com forte apelo biológico. Ele é apresentado de forma mais orgânica, quase como um animal selvagem ressuscitado pelo tempo. A própria ambientação em uma mina e a presença de fósseis remetem a uma origem ligada à pré-história, trazendo para o filme um tom mais paleontológico que político.
Uma estrutura narrativa que se divide em dois mundos
O filme apresenta uma mudança estrutural que o diferencia de outras produções tokusatsu da época. Na primeira metade, seguimos uma investigação policial em um clima de suspense, lembrando até mesmo o gênero noir. A escuridão das minas, os sons abafados e o desaparecimento de pessoas compõem uma atmosfera claustrofóbica.
Na segunda metade, o cenário se abre. A criatura rompe os limites da caverna e voa livremente sobre o Japão. O contraste entre a opressão subterrânea e a destruição nos céus é acentuado pela fotografia em cores, uma novidade no cinema de monstros da Toho na época. O próprio Honda comentou que essa diferença de ambientes foi intencional para ressaltar o impacto visual da transição da escuridão à luz — e da tensão silenciosa ao caos ensurdecedor.
Rodan e os efeitos especiais que definiram um gênero
Com orçamento de 2 bilhões de ienes, Rodan dedicou mais da metade dos recursos à equipe de efeitos especiais liderada por Eiji Tsuburaya. Foi neste filme que muitas técnicas que se tornariam marca registrada do gênero foram refinadas.
Um dos destaques é a destruição da ponte Nishikibashi, recém-inaugurada na época, e que depois se tornaria um dos locais turísticos mais visitados por fãs. A cena em que Rodan sobrevoa a ponte, provocando seu colapso com ondas de choque, usou uma miniatura de 16 metros construída sobre uma piscina de 580 m². Para simular os efeitos do voo supersônico, ventiladores de avião foram adaptados para gerar ventos capazes de levantar telhados e carros em miniatura.
Os modelos de jato F-86F Sabre também marcaram uma evolução: pela primeira vez, foram construídos em tamanho real para interagir com os kaijus. O realismo das batalhas foi tão convincente que até executivos da Toho acreditaram que o Exército havia emprestado equipamento real.
O impacto cultural: de filme a símbolo de uma era
Rodan não foi apenas um sucesso de bilheteria — ele também influenciou o imaginário japonês de diversas formas. A cidade de Fukuoka, destruída no clímax do filme, viu seu turismo aumentar após a estreia. A famosa loja de departamentos Iwataya, que aparece sendo destruída no longa, chegou a ser apelidada de “o prédio que foi destruído por seu próprio mascote”, devido à semelhança entre o logotipo da marca e a silhueta de Rodan.
Além disso, o filme ajudou a firmar uma tradição que perdura até hoje no cinema tokusatsu: usar locais reais e recém-inaugurados como cenários para destruição, transformando-os em pontos de curiosidade para o público.
Rodan e o realismo que assusta
Um ponto que diferencia Rodan de outras obras do gênero é a tentativa de manter certo realismo nas consequências da destruição. Quando Rodan sobrevoa cidades, o vento de suas asas não apenas causa caos: ele transforma pessoas em vítimas de colapsos estruturais, acidentes de trânsito e incêndios. Essa abordagem mais “pé no chão” reforça o sentimento de impotência da população diante do monstro.
O filme também retrata uma força militar menos eficaz, mesmo com tanques M24, caças e mísseis Honest John. Nenhuma dessas armas consegue deter Rodan — ou os dois Rodans, já que no clímax é revelado que há um segundo monstro. Essa duplicidade, que aparece sutilmente na trama original japonesa, foi enfatizada na versão americana para evitar confusão entre os espectadores.
A despedida trágica no monte Aso
O final de Rodan é marcado por uma sequência poderosa visualmente e emocionalmente: os dois monstros retornam ao seu ninho no monte Aso, onde são alvos de um ataque coordenado das forças japonesas. Uma erupção vulcânica é provocada para destruí-los, e no meio da fumaça e da lava, o primeiro Rodan cai.
A segunda criatura, em vez de fugir, se joga nas chamas para morrer ao lado do companheiro. A decisão, feita nos bastidores após um acidente com os fios que seguravam o traje de Rodan, acabou sendo mantida por Tsuburaya por considerar que adicionava um tom trágico e inesperado. Na edição final, ainda foi incluído um som de lamento entre os dois monstros, ampliando o impacto da cena.
Rodan no mercado internacional
Lançado nos EUA em 1957 como Rodan! The Flying Monster, o filme sofreu diversas alterações. Foram adicionadas cenas de explosões nucleares no início para contextualizar melhor a ameaça, e algumas batalhas com aviões foram filmadas em solo americano. A música original de Akira Ifukube foi substituída por uma trilha sonora diferente, e cenas do laboratório de pesquisas foram reeditadas para acelerar o ritmo.
Mesmo assim, o filme foi bem recebido, consolidando Rodan como um dos primeiros kaijus a conquistar fama fora do Japão.
Produção arriscada e bastidores intensos
O making of de Rodan é quase tão interessante quanto o próprio filme. Durante as gravações, o ator principal Kenji Sahara sofreu um acidente real em uma cena com um carrinho de mina. Mesmo ferido, voltou às filmagens dois dias depois. Já o set da erupção do monte Aso usou ferro derretido para simular lava, o que fez com que parte da estrutura quase entrasse em colapso.
A equipe de arte também teve que reconstruir, manualmente, partes da cidade de Fukuoka usando apenas medições feitas a pé, já que por segurança a prefeitura não forneceu as plantas das ruas.
Rodan permanece como símbolo da era de ouro do tokusatsu
Mesmo após quase sete décadas, Rodan continua sendo uma obra que chama atenção por sua ousadia técnica, seu ritmo narrativo e sua capacidade de construir tensão. O kaiju que começou como uma ameaça surgida de um ovo pré-histórico ganhou lugar definitivo entre os grandes monstros do cinema japonês, ao lado de Godzilla e Mothra.
Rodan representa um tipo de ameaça diferente: menos tecnológica, mais instintiva. Uma criatura voadora capaz de destruir cidades com o bater de suas asas, que marcou não só o cinema, mas também a cultura japonesa da época.
Por que Rodan ainda importa?
Rodan não foi apenas uma adição ao panteão de monstros gigantes do Japão. Foi uma resposta direta à necessidade de inovação no tokusatsu, explorando novos formatos narrativos, efeitos especiais ousados e metáforas mais abertas à interpretação. Seu impacto estético e técnico inspirou gerações de cineastas, e seu legado ainda ecoa em produções modernas.
Mais que um monstro, Rodan foi um marco na transformação do gênero, e seu voo supersônico continua ressoando tanto nos céus quanto na memória coletiva dos fãs. E para conhecer outro filme que foi implacável nessa época, confira aqui o conteúdo que produzimos sobre Godzilla Ataca Novamente!